segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

História de dois brasileiros no Desportivo Beja


As páginas dos jornais estão cheias de histórias de transferências de milhões. Os protagonistas aparecem fotografados ao lado de grandes bólides ou à beira da piscina da luxuosa vivenda onde habitam. Não poucas vezes são notícia não pelos golos que marcam, mas pelos sítios da moda que frequentam, locais exclusivos, como passagens de modelos ou inaugurações de restaurantes. Mas existe uma outra realidade para além destes contos de fada do pontapé na bola. São dezenas ou centenas de jovens que chegam todos os anos a Portugal com promessa de integrarem equipas das divisões de topo e acabam a jogar em clubes dos distritais. Em Beja, no Desportivo, há dois casos em que a luta pela sobrevivência se sobrepõe aos 90 minutos de um jogo de futebol.
Jefferson e Renato chegaram a Portugal em Agosto. Tarde e más horas para conseguirem um lugar num clube que disputasse uma divisão nacional. Os plantéis estavam fechados e a concorrência é mais que muita. O empresário de Belo Horizonte que os encaminhou para um congénere português apenas fez isso mesmo, encaminhou-os, mas o empresário português, com quem nem sequer têm contrato, não pôde ou não soube arranjar-lhes uma colocação à medida das suas ambições.Não é que estejam arrependidos por estarem em Beja. Antes pelo contrário, mas é bom de ver que o Desportivo, ou qualquer outro clube de um Distrital, não lhes consegue facultar o vencimento falado no Brasil.
Jefferson Ramos da Silva joga a central e nasceu há 25 anos em Pouso Alegre, Minas Gerais, uma cidade a 200 quilómetros de São Paulo e a mais do dobro da capital estadual, Belo Horizonte. Começou a carreira de futebolista no Guarani da cidade natal, mas foi no Atlético Caldense, da 1.ª Divisão Estadual e 3.ª Nacional, que jogou ao seu mais alto nível. Mesmo com poucas ou nenhumas garantias, "jogar na Europa é sempre um sonho", por isso apanhou o avião e a 27 de Julho estava em Viseu para mostrar o seu futebol. Mas Viseu, Mangualde e Nelas "não quiseram pagar o passe internacional" e valeu-lhe o conhecimento com Renato, já integrado em Beja, que o recomendou à "directoria" do Desportivo.
Renato Lopes, centro-avante, é mais velho um ano: "Era para ter arrumado um clube melhor, mas só cheguei em Agosto, tarde demais". Acresce que o Desportivo pagou o passe internacional e aí está ele, finalmente, a jogar. Finalmente, porque só há quatro jornadas faz parte dos convocados. Até aí esteve lesionado. Como se diz em Portugal, "um mal, nunca vem só..." Do mal, o menos, quando chegaram não estranharam o clima, muito parecido com o que estavam habituados, e "o grupo foi muito acolhedor", garantindo Jefferson que nestes poucos meses já fez "amigos para toda a vida". Com os adeptos passa-se o mesmo, são todos muito "bacanas", especialmente "o Figueira, o senhor Manuel e o senhor António Dores", faz questão de particularizar. Do mister Carlos Simão também não há razões de queixa, tudo "gente legal". Renato diz que se soubesse o que sabe hoje não teria saído do Brasil. "Não compensa estar longe para ganhar tão pouco", afirma o avançado. Em Minas Gerais, a jogar na Caldense, onde conheceu Jefferson, ganhava cerca de 3 mil reais por mês, qualquer coisa como mil euros, muito mais do que recebe aqui e que o leva até a admitir que, à semelhança do que acontece com os seus companheiros de plantel, "se aparecer um trabalho fora do futebol" vai ter de aproveitar.
Neste momento vivem os dois, mais Cleiton Ribeiro, um "reforço" do Desportivo para Janeiro, numa casa alugada onde cozinham a maioria das refeições, que o dinheiro não dá para mais. Isso não os impede de conviver com o resto do plantel e de sair para espairecer ou ver os jogos da Liga Sagres na televisão. Aliás já têm os seus clubes favoritos em Portugal, Jefferson, no Brasil é Flamengo, mas em Portugal puxa pelo Porto, Renato, do outro lado do Atlântico sofre pelo São Paulo, mas por cá tem um fraquinho pelo Benfica. Quanto ao campeonato que vieram "descobrir", já têm opinião formada. Para o defesa, no "Distritalão joga-se muito pela força". O avançado diz que cá o futebol "é mais corrido e no Brasil é mais cadenciado". No entanto acham que o Desportivo pode ser campeão. "Já deu para ver que o campeonato é muito nivelado e vai ser muito disputado até ao final", mas como têm "uma boa equipa e um bom treinador", acreditam que vão chegar ao fim em primeiro. O que não lhes entra na cabeça são os "sintéticos e os pelados" coisas que, garantem, "no Brasil não existem" e que é causa de muitas lesões e do facto de só treinarem três vezes por semana com a equipa toda. Nos próximos meses vão fazer tudo para se sagrarem campeões distritais, mas depois voltam ao Brasil. O regresso à Europa fica a depender de "uma proposta melhor". Ambos têm a ambição de jogarem noutro patamar do futebol luso mas, se o Desportivo subir ao Nacional, eles também subirão um degrau. Até lá matam saudades da terra e da família, pela internet, que usam na biblioteca José Saramago, pelo telefone, ou confeccionando, eles mesmo, o "arroz mineiro" e outros petiscos brasileiros, enquanto pensam como poupar o dinheiro para o bilhete de avião para regressarem a casa.

Fonte: Diário do Alentejo.